O SBT, historicamente, nunca fez questão de enaltecer liderança ou de uma disputa profunda com a Rede Globo. Mas o fato de consegui-la na década de 80 era motivo para muito, muito orgulho e até para sustos. Vamos aprofundar nesse tema com a ajuda do anúncio que vamos nos debruçar hoje.
A trajetória do jornalista
Goulart de Andrade no SBT teve, especificamente, duas fases. A primeira, entre 1986 e 1994, quando ele comandou na emissora o “Plantão da Madrugada” (depois Comando da Madrugada) e também o jornalístico “Eu Sou o Repórter”. A segunda fase, mais recente, de 2010, foi como freelancer produzindo matérias para o SBT Repórter. Vamos nos ater à primeira fase, de grande repercussão.
Goulart de Andrade estreou no SBT no programa Hebe. Isso mesmo. Além de uma apresentação oficial dele como novo contratado da casa, ele apresentou sua primeira matéria na emissora dentro do programa da Rainha da TV brasileira. Em dezembro de 1986, entraria no ar o “Plantão da Madrugada”, que pouco tempo depois viraria
“Comando da Madrugada”. A reportagem de estreia falava sobre o avião-hospital da Unicor, através da Transbrasil (
veja um dos anúncios abaixo da estreia dele no SBT).
Muitos ligam o Goulart às reportagens sobre a noite paulistanas, os personagens desconhecidos, curiosos e pitorescos que frequentavam esse mundo. Mas sua obra no SBT foi muito além disso. Em especial de fim de ano em 1986, produziu para a emissora a reportagem “Natalidade: Ser ou Não Ser”, sobre assuntos ligados ao nascimento e à vida humana. O sucesso do programa fez como que ele ganhasse, já no início de 1987, a atração “Eu Sou o Repórter” (que alguns consideram o pai do SBT Repórter). Nela, produziu uma das mais importantes – e chocantes – reportagens sobre o vírus HIV, da AIDS, considerado um tabu absoluto na época.
Mas voltemos ao “Comando da Madrugada”. O programa era uma verdadeira revista eletrônica dos fins de noite. Tinha absolutamente de tudo. A atração poderia ter uma reportagem sobre sonoterapia, uma visita à reforma do Teatro Municipal, os
bastidores de A Praça é Nossa (veja vídeo abaixo) ou temáticas relacionado a drogas, sexo e outros temas pouco abordados pela mídia tradicional.
A pauta variada e o jeitão popular de abordar os temas fizeram com que o “Comando” fosse um ótimo produto para receber audiência do Viva a Noite, de Gugu Liberato. Sucesso nas noites de sábado, a atração também apostava na variedade, musicais e reportagens, público que costumava ficar acordado até tarde, aproveitando o final de semana no SBT.
No nosso anúncio principal de hoje, o SBT traz as audiências do programa de Goulart de Andrade durante 4 semanas: 25/04/1987 – 13 pontos; 02/05/1987 – 15 pontos; 09/05/1987 – 12 pontos e 16/05/1987 – 15 pontos. Todas essas audiências foram suficientes para levar a atração ao primeiro lugar de audiência. Não custa lembrar que foi em 1987 que Gugu despertou o interesse e assinou (ou quase) com Rede Globo. Viva a Noite vivia uma grande fase, com recorrentes lideranças e o “Comando”, de forma competente, aproveitou a onda favorável.
Reparem que o anúncio foge bem dos padrões comuns no SBT em sua história. Na verdade, esse período de 1987, acontece meses antes da emissora acertar parceria com Washington Olivetto e marca uma série de anúncios de pouca repercussão, mas igualmente importantes na história publicitária da emissora.
O anúncio cutuca a Globo na chamada principal (
“Crise na Televisão. Depois de 25 anos, a Rede Globo perde o Comando”), parabeniza Goulart de Andrade (
“Nossos parabéns ao jornalista Goulart de Andrade, que tem levado aos lares brasileiros assuntos corajosos, inteligentes e humanos”). De quebra, ainda coloca à “apreciação” do leitor a peça publicitário pedindo a ele, claro, um julgamento fictício: “Você acha este anúncio uma gozação”; “Uma Brincadeira de mau gosto” e “Estou em dúvida – Silvio Santos”. Curioso o fato de “Estou em dúvida – Silvio Santos” não tem a opção para o leitor marcar a alternativa. E porque o “Estou em dúvida” estaria ligado ao Silvio Santos? O anúncio ainda pede ao leitor para enviar a resposta para a caixa postal “0000” e concorrer a uma TV colorida “sem marca” que só pegaria a TVS/SBT.
Voltando ao Comando da Madrugada, vale lembrar que o programa não se restringia apenas a Goulart de Andrade. Repórteres como
Sérgio Montealegre faziam grandes matérias na atração. Em 1992,
Leonor Corrêa (hoje diretora de TV) também passou a integrar a equipe de reportagem da atração. Outro destaque era o quadro de
Matilde Mastrangi no ousado “Uma Cama entre Nós”, onde entrevistava personalidades deitados em uma cama.
Um dos quadros mais polêmicos, porém, veio na reta final de existência do programa no SBT. No final de 1993, entrou no ar o
“Mr. Off”, uma espécie de Você Decide com apelo sexual. Quatro modelos, fazendo a linha comportada, ficavam sentadinhas em frente a câmera respondendo a perguntas nada comportadas feitas por uma voz “em off”. Enquanto respondem, aparece um telefone na tela, para o qual o telespectador liga e vota em sua preferida. A modelo que recebia mais de mil votos participava de um clip, totalmente nua, no final do programa. Hot!
Goulart de Andrade foi uma figura maiúscula da história das reportagens no SBT, mostrando sempre o “lado B” dos temas, de uma forma bem popular e carismática. Infelizmente essa linha de jornalismo, combinando ousadia, popular e conteúdo, está cada vez mais em extinção.